GUIA DE ANOTAÇÕES
Um pequeno guia de impressões gerais sobre o trabalho com crianças e de instruções mais gerais ainda para quem pretenda trabalhar com elas
1. Crianças são pessoas
Minha primeira anotação pode parecer muito óbvia, mas não o é necessariamente. Ter em mente que cada criança é um indivíduo com ideias, sentimentos, vivências, etc. próprios é valorizar a inteligência delas e, portanto, estar disposto a ouvi-los e a entendê-los.
p.s.: crianças ainda são crianças; que elas tenham inteligência não quer dizer que elas sejam adultas!!

2. O corpo da criança
Dentro dessa primeira observação, ainda há que se dizer que também o corpo da criança deve ser respeitado. Abraçar uma criança ou fazer com que uma criança abrace alguém que ela não tem vontade de abraçar, beijar, pegar no colo, tocar, beliscar, etc. São atitudes que se repetem e que parecem muito naturais na relação entre adultos e crianças, mas que acredito que devam ser repensadas. Forçar uma criança a qualquer tipo de contato físico não desejado é não respeitar os limites que ela estabelece para o próprio corpo; é tirar dela o poder de decisão quanto a esse assunto, e creio que esse limite não bem delineado seja possível de ver até a vida adulta (por ex.: para os meninos que não aprendem a respeitar os corpos de futuras namoradas, amigas, etc; para as meninas que não sabem como impor esse limite em situações desconfortáveis;) 

3. Crianças são sérias (também)
Sendo indivíduos complexos e cheios de subjetividade, as crianças também tem suas reflexões e seus pensamentos - e estes podem ser muito sérios. Mesmo nas brincadeiras há muita seriedade - e talvez principalmente nas brincadeiras... Ao processo de experiência do mundo, de descoberta e de aprendizado, é muito naturalmente dado seguimento e desenvolvimento através das brincadeiras.

4. Observação é tudo
A ideia que eu faço de um tempo bem aproveitado é a de um tempo de interesse. Esse interesse pode ser descoberto (no sentido de algo que exista e seja trazido a tona), cultivado, criado, chamado. Penso, cada vez mais, que para que o momento de aula seja um momento bem aproveitado é muito importante que as partes envolvidas tenham interesse naquilo que está sendo feito; e que esse interesse só pode existir onde houver observação: tanto do professor para com as vontades, curiosidades, ações, dos alunos, quanto uma observação cuidadosa e mútua entre os alunos enquanto uma espécie de comunidade.
Também, a essa ideia de observação associo muito uma crença no envolvimento afetivo como parte importante do processo de aprendizado de qualquer coisa.

5. Criatividade e espontaneidade
É senso comum dizer que crianças são muito criativas e muito espontâneas - e é senso comum porque é, geralmente, verdade. Mas o como, sendo adulta e tendo já passado pela escola tradicional e por várias outras instâncias mais ou menos cheias de burocracias ao longo da vida, querer ser professora e querer valorizar essa espontaneidade sem a tolir nem enquadrar ninguém a um modelo de pensamento é algo em que penso muito. De que forma auxiliar (e até conduzir) o desenvolvimento dessa espontaneidade crua em criatividade que gere/leve a experiências completas?
Concordo com Adorno¹ quando ele diz do crescimento das instâncias administrativas para cima de tudo e também da cultura, do excessivo planeamento e do sufocamento da espontaneidade. E concordo mais ainda quando ele diz que a esperança está na diferença (naqueles que ainda se propõem a fugir dessa tendência). Mas como, em termos práticos, incentivar uma espontaneidade e criatividade dormentes ou propulsionar aquelas em estado incipiente? Não acredito em receitas prontas, em manuais de "como ser criativo", mas também ainda não tracei o meu caminho nesse aspecto.
p.s.: é uma anotação mental para mim: aprender a ser (mais) espontânea
¹ Ver "Cultura e Administração", Theodor W. Adorno

6. Cores
Um detalhe que me chamou muito a atenção da aula com a Raquel Wurzel: o uso quase exclusivo de cores vibrantes em tudo o que for infantil. Nunca tinha pensado muito a esse respeito, mas hoje me parece bem óbvio que crianças também gostam ou podem gostar de cores em tons pastéis ou cores neutras.
Também dentro dessa questão de cores, anotei muitas vezes mentalmente a divisão entre os brinquedos de meninos e de meninas - azul e rosa - e a funcionalidade dos brinquedos destinados a cada um. Ou as ideias que são associadas às cores e de que forma essa semiologia das cores interfere no desenvolvimento e no comportamento das crianças.